Em muitos animais, o olfato ajuda na busca do alimento ou serve para alertar contra os perigos. No homem, apesar de muito menos desenvolvido do que em cães, o olfato, segundo especialistas, é fonte de prazer ou desprazer sensorial.
Em São Paulo, capital, essa regra do ato de cheirar não se aplica aos seres humanos que pedalam nos 21 quilômetros de ciclovia construídos às margens do rio Pinheiros. Lá, com o Sol a pino, a fedentina é inescapável. Daí que, na minha humilde opinião, a anatomia desse povo enlouqueceu. Ela é toda anosmática.
O anosmático é aquele sujeito que não tem olfato. Só assim é possível pedalar os 21 quilômetros da tal ciclovia sem acabar acometido por ânsias de vômito, dores de cabeça ou outros balangandãs.
Dia desses, estava eu lá na estação de Pinheiros esperando o trem para Santo Amaro. O cheiro era terrível. No entanto, da plataforma eu observava um povo todo fitness passar contente em suas bicicletas pela tal ciclovia. Eles respiravam tranquilos o nefasto aroma do rio. Em sua calma de ciclistas havia um incompreensível desdém à podridão. Eles eram apenas alegria e vontade de pedalar. Pensei comigo: “esse é o suprassumo da cultura fitness, pois o sujeito pode morrer com problemas no pulmão, após passar horas respirando o irrespirável, mas morre feliz porque vai ser o defunto com as pernas mais torneadas do cemitério. Só pode ser isso”.
Depois, dentro do trem, pela janela, eu vi que de certa forma São Paulo é toda assim. Só se preocupa com as pernas torneadas. Senão vejamos: quem frequenta os shoppings Cidade Jardim, Eldorado e Villa Lobos e a encarquilhada boutique Daslu, ou quem vive nos caríssimos apartamentos do Panamby ou de Pinheiros — duas das áreas mais nobres da capital paulista e constantes alvos do mercado imobiliário — deve sentir a fedentina, principalmente nos dias mais quentes. Toda essa magnificência arquitetônica e econômica vive, trabalha ou mora às margens do rio podre. Consome o que há de mais caro na cidade, apesar de respirar diariamente a “fragrância” produzida pelo esgoto em decomposição no rio.
A meu ver, ou toda essa gente é anosmática ou só se preocupa com as pernas torneadas, isto é, quer viver em um apartamento de luxo, comprar em um shopping de luxo e trabalhar em um escritório de luxo mesmo que eles fiquem ao lado de um dos maiores esgotos a céu aberto do mundo. Não ligam para a fetidez. O que importa é a sessão de importados da lojinha no térreo, a imponência do novo prédio e a pedalada na ciclovia nos finais de semana ensolarados.
Na plataforma da estação de trem em Pinheiros, com o estômago embrulhando, eu observava aquela gente passear feliz em suas bicicletas e acabei encafifado. Pensei: “Será que o maluco sou eu? Talvez...”
Na estação de Santo Amaro, peguei o metrô para o Capão Redondo, onde, na noite anterior, seis pessoas haviam sido assassinadas. Sorte que era dia e eu desci antes. Fui visitar minha mãe, que mora bem pra lá da ponte, muito longe do rio e não gosta do cheiro de gás sulfídrico.